ATACAMA: nossa aventura de carro pelo deserto
- Virna Miranda
- 14 de mai. de 2022
- 32 min de leitura
Atualizado: 23 de fev. de 2024

Localizado no norte do Chile, o Atacama é considerado o deserto mais alto do mundo e um dos mais secos. Chuvas por lá são raras, já que os Andes formam uma grande barreira que impede as correntes polares de penetrar na região. Sua área de 1.000 km se estende até a fronteira com o Peru e é formada basicamente por terrenos pedregosos, areia e sal, muito sal. Aliás, os salares – grandes extensões de sal – são uma das principais atrações desse surpreendente deserto, ao lado de montanhas e vulcões e pasmem: lagoas cristalinas que surgem em meio ao vazio das vastas paisagens desérticas, formando cenários de tirar o fôlego dos mais experientes viajantes.

O planejamento da nossa viagem para o Atacama começou há exatos 2 anos e 4 meses, pouco antes do início da pandemia. Junto com Marcello e Ligia, amigos de longas de datas e grandes companheiros de aventuras, eu e Zeca elegemos o deserto chileno como nosso próximo destino de férias. Encontramos uma linda e charmosa casinha no Airbnb, fizemos a reserva e compramos as passagens para o mês de setembro de 2020. Aí veio a pandemia, os planos foram adiados, essa história certamente você conhece... Mas nosso desejo de tornar o sonho de conhecer o Atacama realidade e a paciência dos nossos anfitriões foram grandes provas de resiliência. E assim, no dia 22 de abril de 2022, depois de uma espera que nos pareceu infinita, embarcamos para Santiago, capital do Chile, onde passaríamos um final de semana e de lá, seguiríamos enfim para nosso tão esperado deserto.
Leia aqui o que fazer em um final de semana em Santiago (em breve).
Foram dias mágicos, surreais, que valeram cada minuto de espera. E aqui estou eu, mais do que feliz, para compartilhar nossa experiência nesse que é um dos destinos mais inóspitos e ao mesmo tempo mais surpreendentes do planeta. Vem comigo!
Calama: o ponto de partida
Quem vai para o Atacama fica hospedado na pequena cidade de San Pedro do Atacama, sobre a qual falarei mais adiante. Mas o ponto de partida de 99% dos viajantes é a cidade de Calama, onde fica o aeroporto da região. Não há nada de interessante no lugar, mas não deixa de ser um local de apoio. Durante o pouso, a vista já nos colocou no clima. Observar a imensidão do deserto lá do alto é incrível, com destaque para os grandes moinhos de energia eólica instalados nos arredores de Calama.

Como decidimos conhecer o Atacama por nossa conta, foi aqui que retiramos e devolvemos o carro alugado. Nos assustamos um pouco com as condições do veículo, que certamente já havia passado maus bocados nas estradas pedregosas e empoeiradas do Atacama, mas no final correu tudo bem. Uma dica é checar bem as condições dos pneus e se todos os itens de segurança estão a bordo. Lembramos de levar um suporte de celular, que foi útil para usarmos o GPS.
Como havíamos alugado uma casa pelo Airbnb (saiba mais adiante), antes de pegar a estrada, aproveitamos para comprar itens para o café da manhã, lanches, água etc. Rafael e Maria, nossos anfitriões, nos indicaram o Jumbo, um excelente hiper mercado, com grande oferta de itens a bons preços, incluindo uma excelente variedade de ótimos vinhos chilenos. De quebra, comemos uma pizza por lá, pois já passava da hora do almoço e estávamos famintos.
De Calama para San Pedro do Atacama são cerca de 90 km. Programamos o GPS antes de sair, já que fora da cidade sinal de internet simplesmente não existe. Mas foi muito tranquilo chegar: a estrada é uma reta de asfalto de excelente qualidade, bem sinalizada e absolutamente linda!

À medida que nos afastamos da cidade, fomos absorvidos pela atmosfera do deserto e suas cores esplendorosas – uma mistura de tons de marrom, vermelho, amarelo e laranja.
Essa seria a paisagem que enxeria nossos olhos nos próximos dias, nos surpreendendo a cada minuto. Chegamos a San Pedro no final da tarde, já brindados pelo nosso primeiro pôr do sol dos muitos inesquecíveis que vimos no Atacama.
Fomos direto para nossa casinha. Estávamos cansados, loucos por um banho e um merecido descanso antes de iniciar nossas explorações Atacamenhas.
Casita La Brea – um oásis no meio do deserto

Se houve uma decisão acertada nessa viagem, foi escolher a Casita La Brea para nos hospedar. Localizada há apenas 6 km de San Pedro, essa foi uma opção viável somente porque estávamos de carro, já que os passeios feitos com o apoio de agências de viagem partem do centro. Como nossa proposta era conhecer o máximo possível por nossa conta, a escolha foi perfeita!
Imagine uma casinha no meio do nada, construída com paredes de pedra vulcânica, muita madeira e amplas janelas que proporcionam uma incrível luminosidade, sem falar da vista espetacular para o vulcão Licancabur.

O interior da casa é acolhedor e lindamente decorado com itens charmosos, de bom gosto e funcionais na medida certa. São duas suítes que além do banheiro completo contam com um chuveiro externo, onde você pode tomar banho (quente!) ao ar livre, em total privacidade.
Entre os dois quartos, uma mistura de sala de refeições e cozinha abrigava uma grande ilha de seis lugares, com fogão embutido, onde cozinhamos e compartilhamos refeições, planejamos nossos passeios e trocamos ideias no final do dia sobre o que vimos.
A sala de estar fica literalmente do lado de fora. Sofás, poltronas e espreguiçadeiras nos convidavam a sentar e admirar o cenário extasiante a nossa volta, cercado por silêncio e muita paz.

Rafael e Maria, os proprietários, vivem no mesmo terreno, numa casa ao lado, totalmente separada por cercas e plantas, garantindo sua privacidade e a nossa. O casal é de uma hospitalidade ímpar. Cuidaram de nós nos mínimos detalhes, do vinho oferecido como boas-vindas a uma consultoria diária sobre a logística dos nossos passeios, nos dando dicas valiosas, que garantiram a possibilidade de fazer praticamente todos os passeios por nossa conta.
Para finalizar essa experiência incrível, a casa segue conceitos sustentáveis: materiais naturais e nativos, energia solar, pouca luz, nada de televisão. Apenas wifi para que possamos nos comunicar com o mundo, porém único item que pecou um pouco, já que o sinal era bem instável. Para compensar, nossos novos amigos nos presentearam com uma seleção de folhas fresquinhas cultivadas no local.

E ainda recebíamos a visita diária das 2 cadelas do casal: Pilla e Indi. Claro que me apaixonei por elas!!

Obs: La Brea é uma planta nativa da região, cujo caule seco vira uma espécie de cipó usado para fazer cercas e forros de telhados que funcionam como isolantes térmicos, como esses das fotos.
San Pedro de Atacama: el Pueblo del desierto
A porta de entrada para conhecer o Atacama é o povoado de San Pedro de Atacama. Situada na região de Antofagasta, em um planalto elevado na Cordilheira dos Andes, a cidade está a 2.400 metros de altitude. A deslumbrante paisagem que a circunda inclui deserto, salinas, vulcões, géiseres e fontes termais. Com uma população de 4.000 habitantes, suas casas são feitas de adobe e as ruas são de terra, tornando o visual monocromático e camuflado em meio as montanhas e vulcões que o cercam.

Desde 2009, quando o Atacama foi aberto para visitação, o simpático povoado vive basicamente do turismo, com uma seleção farta de hotéis, restaurantes e lojinhas.
Recuperando-se dos longos dois anos de pandemia, que atingiu com força a localidade, San Pedro aos poucos se abre novamente para receber os viajantes de várias partes do mundo que querem conhecer o deserto. As atrações naturais da região estão espalhadas ao redor de San Pedro a distâncias que variam de 6 km (como o Valle de La Luna) a 120 km (como as Lagunas Altiplânicas), e são acessadas de várias formas de acordo com o propósito do viajante: de van pelos tours vendidos pelas diversas agências das cidades, de carro alugado em Calama ou até mesmo de bicicleta ou cavalo, no caso dos destinos mais próximos.
Para nós, que ficamos hospedados em uma casa de Airbnb, a poucos quilômetros do povoado, San Pedro funcionou como um ótimo ponto de apoio para comer depois dos passeios, repor mantimentos e itens de necessidade, abastecer o carro, fazer câmbio e comprar lembrancinhas nas diversas lojas de artesanato. É fácil estacionar o carro nas ruazinhas da cidade e depois caminhar pela Calle Caracoles, onde basicamente tudo acontece, com grande concentração de restaurantes, lojas e agências. Mas foi legal explorar outras ruas no entorno, onde encontramos alguns restaurantes e locais interessantes.
A seguir, compartilho uma listinha de locais e estabelecimentos de San Pedro que podem ser úteis em sua viagem.
Alguns lugares que foram úteis para a gente e recomendo colocar na sua listinha
· Agências de viagem: pela nossa experiência, não é necessário contratar passeios com antecedência. Fizemos apenas um passeio com o apoio de uma agência de viagem (Lagunas Escondidas de Baltinache) e foi bem tranquilo fechar na hora, em uma das agências da Caracoles. Os preços são parecidos e os horários de partida são praticamente os mesmos, com ponto de encontro em uma pracinha de San Pedro.
· Feirinhas e lojas de artesanato: as lojinhas são ótimas para garimpar lembrancinhas típicas, como jogos americanos artesanais, pashiminas feitas de lã de alpaca, bonequinhas e lhamas para as crianças, joias feitas com pedras da região, dentre outras coisas. Todos aceitam cartão de crédito. Tem também um Mercado Municipal de Artesania, com basicamente os mesmos itens vendidos nas lojinhas, só que achei os preços um pouco mais caros.
· Rincon del Viajero: nessa loja é possível comprar botas, roupas esportivas, mochilas e outros itens para sua aventura, caso tenha esquecido alguma coisa importante na bagagem, mas nada é muito barato. Também foi aqui que comprei a garrafinha de oxigênio útil nos passeios de altas altitudes (saiba mais aqui).
· Armazéns: espécie de mercadinho, existem vários espalhados pela cidade, onde compramos leite, pão, frutas secas, água e outros itens de necessidade. Também aproveitamos para comprar Cacha Goma, erva que parece uma estévia, ótima para fazer o chá que previne o Soroche (segundo locais, funciona melhor que o tradicional chá de coca).
· Casas de Câmbio: optamos por trocar a maior parte dos nossos dólares no aeroporto de Santiago e nos arrependemos. O câmbio em San Pedro é muito mais favorável e simples de fazer. Vale sondar algumas casas antes de trocar o dinheiro para achar a melhor cotação.
· Posto de gasolina: existe apenas um na cidade, mas é tranquilo abastecer. É importante estar sempre com o tanque cheio, especialmente antes de sair para passeios mais longos, pois não existe posto em nenhum ponto fora de San Pedro e você não vai querer ficar sem combustível no meio do deserto, certo?
Para comer e beber
Come-se bem em San Pedro? Médio... Existem alguns bons restaurantes, super charmosos por dentro, mas achamos tudo meio caro... Então recomendo estudar bem o cardápio e fazer conta antes de sair pedindo. Também passamos um pouco de perrengue em função dos horários: em um dia, fomos almoçar por volta das 15h. Estávamos morrendo de fome, mas era meio que horário de “rush” dos esfomeados e tivemos dificuldade de encontrar um restaurante cuja espera não fosse menor que 45 minutos.
A comida tem forte influência andina, uma fusão de comida chilena com peruana, com muito ceviche, pratos de carne com muita batata, mas também dá para achar pizza, sopas e empanadas. Os vinhos são de excelente qualidade, difícil achar um que não seja reserva ou gran reserva. Destaque para os piscos e cervejas artesanais, que caem muito bem depois de um passeio sob o sol escaldante do deserto.
A seguir, uma lista de restaurantes e outros locais para comer que fomos ou que nos indicaram como boas opções.
· Adobe: restaurante da modinha, todos os turistas vão. Estava bem cheio, mas a comida é boa e o serviço foi rápido. Os preços são salgadinhos.
· La Casona: dos mesmos donos do Adobe, o forte são os pratos peruanos, mas amamos a comida e o agradável pátio ao ar livre. Para mim, foi o melhor, apesar da conta ter sido bem dolorosa...
· La Pica del Indio: mais simples, a pedida aqui são as carnes. A comida estava média, mas o lugar é bem simpático e um pouco mais barato que o Adobe e o La Casona.
· Baltinache (precisa de reserva): indicação dos nossos anfitriões da Casita La Brea, mas não conseguimos ir.
· Ckunna: outra indicação de Rafael e Maria, mas estava fechado para manutenção.
· Café Roots: ótima opção para aquele cafezinho depois do almoço. Fomos lá algumas vezes, o café é etíope, de qualidade excelente.
· Heladeria Babalú: vimos pelo menos duas casas da Babalú em San Pedro. Os sorvetes são artesanais, feitos com frutas e ingredientes típicos da região.
· Franchuteria: indicação de Rafael e Maria, é uma espécie de padaria francesa, que vende excelentes pães e croissants, para levar ou comer no local. Tem um agradável pátio em meio a sombra de árvores, para sentar e comer sanduíches. Os pães são irresistíveis, mas não se anime, porque mais uma vez, o preço é bem salgado. Compramos 8 croissants recheados para levar para um passeio e 1 bisnaga de queijo de cabra para o café da manhã e pagamos CL 21.000, o equivalente a R$ 120,00 (só fiz a conversão depois....)
Partiu deserto: um cenário cheio de surpresas
Devidamente instalados, abastecidos e descansados, hora de conhecer o Atacama!!!! Estávamos mais do que ansiosos para pegar o carro e explorar a região. Afinal, foram 2 anos estudando as muitas possibilidades de passeios, mas nenhuma foto chega nem perto do impacto daquele visual que te arrebata e tira seu fôlego (literalmente!).

O cenário é deslumbrante e há muito a descobrir no Deserto do Atacama. Pode até parecer que é tudo meio igual, mas não é. Cada passeio revela um visual e uma experiência completamente distintos. Difícil é escolher o que ver, o que fazer e aonde ir, com tantas opções entre fortalezas pré-incaicas, cactos gigantes, grandes extensões de sal, vulcões cônicos com topos cobertos de neve, lagoas de azul cristalino, gêiseres fumegantes, fontes termais e formações rochosas que parecem ser de outro planeta. Lhamas, vicunhas, guanacos, raposas e graciosos flamingos dão o dom da singular vida selvagem. De dia, o céu é de um azul de doer os olhos. À noite, as estrelas brilham com uma intensidade absurda – o céu noturno do Atacama é um dos mais lindos do planeta – se puder, vá na lua nova, como nós.
Tínhamos apenas 6 dias e era necessário fazer escolhas. A partir daqui, vou contar um pouco como foi nossa aventura no Deserto do Atacama. Resolvi dividir por passeio para ficar mais fácil de entender as belezas e desafios que encontramos em cada experiência, assim como a logística necessária para aproveitar cada rolê.
Laguna Cejar, Laguna Tebinquiche e Ojos del Salar
Nosso primeiro passeio foi para conhecer três atrações muito visitadas no Atacama: a Laguna Cejar, a Laguna Tebinquiche e os Ojos del Salar. Essa região é bem próxima de San Pedro, ao todo percorre-se 32 km até o destino final, em uma estrada razoável, parte asfalto, parte terra. Bem sinalizada, foi tranquilo chegar até lá.
Nos deparamos com uma casinha, onde uma atendente nos recebeu e explicou detalhes sobre a visitação - os funcionários em geral pertencem a uma das comunidades indígenas que tomam conta dos sítios turísticos do Atacama.

Infelizmente, a Laguna Cejar estava fechada – era terça-feira, dia de manutenção. Mas poderíamos visitar os Ojos del Salar e a Laguna Tebinquiche. Pagamos a taxa de entrada que custou CL 5.000 (cerca de R$ 30). Um detalhe interessante é que maiores de 60 anos têm direito a descontos consideráveis em praticamente todos os acessos. Nesse caso, o ingresso saia a CL 3.000.
Depois de preencher uma ficha com nossos dados e efetuar o pagamento (em espécie), ela nos orientou a estacionar o carro logo após a casinha de receptivo para conhecer os Ojos del Salar e depois seguir para visitar a Laguna, que ficava 4 km a frente. Foi firme em avisar que não deveríamos sair dos “senderos”, os caminhos demarcados que encontraríamos em todos os lugares, cuja finalidade é proteger o ecossistema do impacto dos turistas. Em meio ao deserto, ficamos impressionados com o nível de organização, simples e funcional, e com a preocupação na preservação dos sítios ecológicos e arqueológicos.
Os Ojos del Salar, ou Olhos do Salar, são duas crateras redondas, praticamente simétricas, uma ao lado da outra. No meio do nada, esses buracos enigmáticos estão cheios de água doce, formando uma espécie de lagoa de azul muito profundo. Reza a lenda que os buracos não têm fundo e nada nos tirou da cabeça que existe de fato algo misterioso em torno daquelas formações tão curiosas em pleno deserto.
Seguimos de carro até a próxima parada, a Laguna Tebinquiche, cujo azul se mistura em muitas matizes mescladas pelo branco do sal que a circunda. Não tinha praticamente ninguém no local e formos cercados pelo silêncio. Caminhamos por cerca de uma hora pelo caminho que leva até os pontos de observação da lagoa, tirando fotos e absorvendo aquele visual magnífico, com o vulcão Licancabur ao fundo.
Antigamente, era possível tomar banho nessa lagoa, até que cientistas descobriram ali microorganismos milenares que vivem em ambientes extremos, quase ou sem oxigênio. Chamados de “estrematolitos”, esses seres deram origem à vida na terra e só existem em 3 lugares do planeta: aqui, na Laguna Tebinquiche, no Golfo do México e na Austrália.

Essa seria apenas a primeira das muitas surpresas que encontraríamos ao longo dos nossos dias no deserto. Finalizamos nosso passeio, entramos no carro e voltamos para San Pedro para almoçar e decidir o que faríamos no período da tarde.
Anote:
Distância de San Pedro: 32 km
Altitude: 2.300 metros
Quanto custa: CL 5.000 | CL 3.000 para maiores de 60 anos
Onde comprar o ingresso: no local em espécie
Tempo médio do passeio: 2 a 3 horas (entre ir, visitar e voltar)
Dicas úteis: a Laguna Cejar fecha para manutenção às terças-feiras, então não conseguimos visitá-la. Como é um lugar próximo e de baixa altitude, recomendo fazer esse passeio nos primeiros dias.
Garganta do Diabo (ou Quebrada del Diablo)
Esse passeio não estava em nossa programação original e foi uma indicação de Rafael e Maria. Pertinho de San Pedro – cerca de 7 km – em uma estradinha de terra, depois de um almoço delicioso no restaurante La Casona, seguimos já no fim da tarde para conhecer a Garganta do Diabo.
Também conhecida como Quebrada del Diablo, em espanhol, essa é uma formação geológica que forma um extenso labirinto em meio a um cânion com paredes de 15 metros de altitude. O lugar é muito louco!

Enquanto percorríamos a trilha de cerca de 1 km em meio a paredes de pedras e cavernas, nos sentimos em um desenho dos Flinkstones. O cenário monocromático de tons terrosos fazia um contraste espetacular com o céu absurdamente azul. Um visual diferente de tudo que já conheci nas minhas andanças por esse mundo.
A moça do centro de atendimento, na entrada do cânion, informou que existe um mirante no final da trilha, mas a tarde estava acabando e o local fechava às 18h, então caminhamos por cerca de 40 minutos pelo local e deixamos a subida para outra oportunidade.
Vimos muita gente fazendo a trilha de bicicleta e soube que algumas pessoas também vão a cavalo. O carro fica no início da trilha e é preciso pagar CL 5.000 para acesso ao local.
Anote:
Distância de San Pedro: 6,8 km
Altitude: 2.400 metros
Quanto custa: CL 5.000 | CL 3.000 para maiores de 60 anos
Onde comprar o ingresso: no local em espécie
Tempo médio do passeio: 2 horas (entre ir, visitar e voltar)
Dicas úteis: como é pertinho, dá para aproveitar algum tempo que restou do dia para fazer esse passeio, mas fecha às 18h, então calcule direitinho para conseguir percorrer o local com calma. Muita gente vai de bicicleta, saindo de San Pedro.
Valle de La Luna

No segundo dia de visitação, fomos conhecer o famoso Valle de La Luna, uma das atrações mais concorridas do Atacama. Acordamos com calma, tomamos um bom café e compramos os ingressos pelo site indicado por Rafael, já que nesse momento só é possível adquirir tickets para esse parque online. Partimos então para nosso passeio.
O Valle de La Luna fica bem pertinho de San Pedro, a cerca de 6km, e a altitude é praticamente a mesma da cidade, então é um dos programas que recomendo fazer logo nos primeiros dias. A maior parte das pessoas prefere ir a tarde, para curtir o pôr do sol de cima da Pedra do Coyote, mas estávamos em clima de contra-fluxo, então optamos pelo período da manhã.
Você já se imaginou na lua? Pois foi assim que nos sentimos nesse vale. Uma paisagem inóspita e ao mesmo tempo espetacular. Uma imensidão de formações geológicas, com dunas de areia e sal, cavernas e pedras esculpidas pelo vento. Parece mesmo que você está em outra dimensão, muito além da Terra.
Entramos no vale de carro e mais uma vez fomos orientados a seguir pela estrada que atravessa o local de ponta a ponta e parar nos pontos demarcados para visitação, espalhados ao longo do imenso parque geológico. A primeira parada foi na duna, que subimos a pé pela trilha, até alcançar o topo de onde se tem uma vista inebriante.
Depois de descer, seguimos guiando até o final, para conhecer as esculturas de pedra conhecidas como “As três Marias”, seguindo o conselho do vigilante do local de usar nossa imaginação para visualizar a imagem das santas saltando daquelas pedras no meio do nada.
Voltamos para a entrada e nos dirigimos para outra parte que também integra o parque, onde estão os mirantes de onde se pode avistar o vale de cima. Um ângulo diferente para apreciar a vastidão desse lugar inusitado, é aqui que fica a famosa Pedra do Coyote, que nos finais de tarde fica cheia de turistas apreciando o pôr do sol. Mas a clássica foto de pessoas sentadas na ponta da pedra nos pareceu estar no passado, pois tudo é bem protegido com correntes para evitar que as pessoas cheguem muito próximas ao precipício (o que vamos combinar, é mais que razoável). Independente das pequenas restrições de acesso, o visual é de tirar o fôlego.

Anote:
Distância de San Pedro: 5,9 km
Altitude: 2.500 metros
Quanto custa: CL 10.000 | CL 5.000 para maiores de 60 anos
Onde comprar o ingresso: online no site compras.puntoticket.com
Tempo médio do passeio: 2 a 3 horas
Dicas úteis: o ingresso dá direito a visitar o Valle e depois a Pedra do Coyote, que fica próxima (precisa ir de carro). Se você for ao Valle pela manhã, pode retornar para ver o por do sol na Pedra do Coyote no final da tarde do mesmo dia.
Lagunas Escondidas de Baltinache
Depois da visita ao Valle de La Luna, voltamos para nossa casita, onde almoçamos antes de partir para nosso próximo destino: as Lagunas Escondidas de Baltinache.

Por conselho de Rafael, esse foi o único tour que fizemos com uma agência. Explico o por que: a estrada até as Lagunas tem um trecho de terra muito pedregoso, que historicamente é capaz de furar não só um, mas dois ou três pneus de carros que não sejam adequados para o trajeto. E por ser um lugar ermo, sem sinal de celular, caso de fato acontecesse o imprevisto de termos mais que um pneu furado, ficaríamos em apuros.
Contratamos esse tour facilmente em uma agência situada na Caracoles e custou CL 30.000 por pessoa (cerca de R$ 180), fora a entrada de CL 10.000, paga na entrada do acesso às Lagunas. A van saiu às 14h de uma pracinha de San Pedro. Além de nós 4, tínhamos a companhia de mais 6 turistas. Estava um sol escaldante e estávamos ansiosos para tomar banho em uma lagoa de sal! Sim, finalmente entraríamos nas águas salgadas do deserto.
O percurso de 57km durou cerca de 1:30 para ser percorrido. Não achamos a estrada tão ruim assim, mas a guia nos contou que havia apenas uma semana que tinham passado uma “plancha” no local, mas que de qualquer forma, o acesso é mesmo arriscado, com muitas pedras, é preciso passar na velocidade certa, nem muito devagar, nem muito rápido. Para completar, as cabines de banho para tirar o sal estavam fechadas em função ainda das restrições da pandemia, então as agências estão levando água doce para que os turistas possam usar após o banho de lagoa, e isso de fato foi fundamental em nosso passeio, já que não é possível ficar com aquela concentração de sal no corpo por muito tempo. Mas vamos a Baltinache.
É difícil eleger as melhores atrações do Atacama, mas esse programa para mim foi um dos top 3 da nossa viagem, ao lado das Lagunas Altiplânicas e das Termas de Puritama. Como eu sou fissurada por água, é fácil entender minhas escolhas... Pode imaginar a sensação de flutuar em uma lagoa de azul turquesa, cercada por sal de todos os lados, em meio à vastidão do deserto? É uma experiência para ficar na memória para o resto da vida.

As Lagunas Escondidas de Baltinache são 7 lagoas de azul cristalino incrustadas em um salar, mais uma vez com o vulcão como pano de fundo. As águas vêm do período das chuvas (que acontecem em janeiro) e depois vão evaporando e formando as lagoas. O fenômeno de flutuar sem o mínimo esforço se deve à grande concentração de sal, muito maior que no mar, por exemplo. Algo que acontece também no Mar Morto.
Atualmente, só é possível tomar banho em uma das lagoas e cada pessoa só pode ficar por no máximo 20 minutos, tempo limite que o corpo aguenta sem desidratar. Ao entrar na água gelada com 18º de temperatura, a pele formiga toda, mas logo você se acostuma. É uma sensação incrível flutuar naquele azul de doer os olhos. Infelizmente, quem tem a pele sensível como eu pode ter alguma reação (claro que fui premiada!). Em poucos minutos, comecei a sentir uma queimação e sabia que iria ficar toda empolada, mas insisti por um tempo, porque era uma experiência única na vida. Não deu para ficar 20 minutos, acho que fiquei uns 10 e a prudência me fez sair antes do que gostaria.
Em nosso passeio, fomos agraciados pela visita de um pássaro raro do Atacama, o cuervo del pantano, que pousou na beira da lagoa e comia calmamente microorganismos do chão, indiferente aos humanos que visitavam seu habitat...

Depois do nosso banho, caminhamos até o local da van, onde o motorista nos auxiliou com o banho de água doce proporcionando por um garrafão e um chuveirinho, e tivemos que improvisar uma troca de roupa ali mesmo, atrás da van, tendo a imensidão do deserto como testemunha.
Como parte do programa, no retorno para a cidade, a van parou em um ponto da estrada para que pudéssemos apreciar o pôr do sol, enquanto tomávamos doses de pisco geladinho e comíamos um “snack”, como eles chamam, composto por queijos, salames e frutas. Foi uma forma bem gostosa de terminar esse dia espetacular.


Anote:
Distância de San Pedro: 57,2 km
Altitude: 2.400 metros
Quanto custa: CL 30.000 o passeio + CL 10.000 para entrar
Onde comprar o ingresso: pago no local em espécie
Tempo médio do passeio: uma tarde (saímos às 14h e chegamos às 19h)
Dicas úteis: como as condições da estrada são meio ruins, recomendo contratar o tour com uma agência, por segurança. Vá com a roupa de banho por baixo e não deixe de levar uma toalha e uma muda de roupa para vestir depois.
Laguna Diamante, Monjes de La Pacana e Caldera de La Pacana
No dia seguinte, acordamos cedo para fazer esse passeio, que é um dos mais longe e também de maior altitude. Os Monjes de la Pacana são formações rochosas esculpidas pelo vento, que ficam em uma planície a 4.446 metros acima do mar e distante 103 km de San Pedro de Atacama, a poucos minutos da fronteira com Argentina e Bolívia.
Essa atração está na mesma região que o Salar de Tara, um dos mais famosos salares do Atacama, fechado para visitação desde 2018, em uma ação de conservação para recuperar o ecossistema e aumentar a reprodução de flamingos, que se encontram em extinção. Mas é possível visitar o Salar de Pujsa e o Salar de Quisquiro, que ficam na mesma região.
A estrada que nos leva até essas atrações, já é um destino em si. É uma das rotas mais rica em fauna e flora e não é raro passar por vicunhas e aves no caminho. Bastante deserta, em alguns pontos é possível parar para tirar fotos no meio da estrada, aproveitando como cenário o vulcão Licancabur ao fundo, que nesse trecho fica mais próximo.

À medida que vamos ganhando altitude, a estrada vai se tornando cada vez mais linda, o ar vai ficando rarefeito e quem tiver sensibilidade a altas altitudes pode sentir um pouco de sonolência e cabeça pesada.
Mais ou menos no meio do percurso, em um trecho bem deserto, encontramos do lado direito da estrada uma lagoa linda e resolvemos parar. Ficamos bastante surpresos ao descobrir que a água estava completamente congelada.
Pesquisando depois, descobri que se tratava da Laguna Diamante, uma lagoa artificial formada pelo acúmulo da água da chuva em um buraco formado pela retirada de terra para construção da estrada. O morro ao fundo é o Cerro Pilli. Bem ao longe, alguns patos nadavam distraídos, indiferentes à temperatura da água. Tiramos várias fotos, encantados com o visual e seguimos viagem.
Alguns quilômetros a frente, mais uma surpresa: esculturas esculpidas na encosta da estrada lembravam pássaros pré-históricos. Arte da natureza ou terão alguma origem misteriosa que foge ao nosso conhecimento?

Enfim, chegamos ao nosso destino. É preciso atenção para ver o caminho de terra do lado esquerdo da rodovia que leva até a planície onde reinam esplendorosos os Monjes de la Pacana. Mas de longe já dá para avistar essas majestosas esculturas formadas por pedras vulcânicas arremessadas por uma erupção que aconteceu na Bolívia a cerca de 3 milhões de anos, também conhecidas como “bombas piroclásticas”. A ação do vento e da chuva ao longo de milhares de anos se encarregou de moldar as pedras, transformando-as em imagens que se assemelham a monges.

Com mais de 30 metros de altura, se destaca a pedra conhecida como El Indio, considerado o guardião de Pachamama, divindade máxima dos povos indígenas dos Andes centrais.

Há muitos anos, grandes festivais incas eram realizados nesse local, com peregrinações vindas de todo o Chile, Bolívia e Peru. Para se proteger das baixas temperaturas da noite do deserto, os peregrinos cavavam buracos para dormir.
O lugar é meio mágico e tem uma energia bem singular. É intrigante observar aquelas formações tão harmonicamente posicionadas no campo aberto e pensar que são pura obra da natureza... Antes de seguir viagem, aproveitamos para fazer um pequeno lanche no local, enquanto curtíamos o visual incrível.
Bem pertinho, está a Caldera de La Pacana, uma importante caldeira e campo vulcânico do Mioceno, que faz parte do complexo vulcânico Altiplano-Puna.
Quem estiver com mais disposição, pode seguir em frente para conhecer os Salares de Pujsa e de Quisquiro. Nós voltamos dali. Ao longo da estrada, é possível parar em algumas casinhas que vendem queijo de cabra.
Anote:
Distância de San Pedro: 103 km
Altitude: 4.446 km
Quanto custa: grátis
Tempo médio do passeio: cerca de 6 horas
Dicas úteis: como você vai subir para uma grande altitude, é preciso tomar algumas precauções para não passar mal – evite álcool e comida mais pesada na véspera, beba muita água, tome chá de coca ou de cacha goma e, se possível, leve uma garrafinha de oxigênio por precaução (vendida em alguns pontos da Caracoles, em San Pedro).
Termas de Puritama

Em nosso penúltimo dia de passeios no Atacama, resolvemos dar uma despressurizada e fazer um programa mais light. As Termas de Puritama (ou Baños de Puritama) estavam em nosso roteiro e nos pareceu uma boa alternativa para passar a tarde relaxando em uma água quentinha.
Rafael mais uma vez nos deu uma dica valiosa. A visitação nas termas funciona assim: o lugar é privado, você pode entrar no site e reservar um poço somente para seu grupo – são 8 poços disponíveis, com capacidades que variam de 6 a 12 pessoas. Mas se você está em um grupo pequeno como o nosso, fica caro, porque você paga pela ocupação total, independente da quantidade de pessoas que efetivamente irão. Um poço de 6 lugares, por exemplo, custa CL 120.000 (aproximadamente R$ 700,00). A alternativa é na realidade um risco... Fomos orientados a chegar às 14h em ponto e se naquele momento tiver vaga, você paga o ingresso individual, que custa CL 20.000 por pessoa (R$ 115,00) e bingo! Seu lugar está garantido. Se estiver tudo reservado ou ocupado, você dá meia volta...
Não nos pareceu nada animador, mas queríamos muito conhecer esse lugar e resolvemos arriscar. Pegamos a estrada que é uma boa subida de quase 28 km para chegar a 3.500 metros de altitude, mas o caminho (mais uma vez) é lindo e consegue ter um visual diferente do que já tínhamos experimentado até aqui.

Perto de Puritama fica outra atração bem famosa, conhecida como Vale dos Cactos. De fato, vimos muitas amostras dessa vegetação de deserto em nosso trajeto enquanto subíamos pela estradinha sinuosa. De tirar o fôlego.
Enfim, chegamos às 14 horas em ponto. O funcionário nos comunicou que estávamos com sorte porque naquele dia tinha vaga para turistas sem reserva (eba!). Vamos combinar que o lugar estava vazio: conseguimos lugar no poço 2 e não vimos gente suficiente para encher 8 poços, mas talvez tenha sido sorte mesmo, vai saber...
A realidade é que estacionamos o carro no local indicado e começamos a descida pelo caminho surreal que leva até a parte de baixo, onde fica o vale por onde o rio passa e portanto, os poços.


Mas o que são as Termas de Puritama?? São 8 piscinas termais construídas em desnível, ao longo de um rio, com águas de temperaturas mornas, que variam entre os 28º e 35ºC. Entre um poço e outro, pequenas cascatas vão se formando a medida que o rio vai descendo entre a vegetação. As termas ficam localizadas no fim de um vale e impressionam pelo visual exótico ao seu redor, com muitas pedras e uma faixa verde de vegetação no fundo do cânion, fruto da umidade ímpar que existe no local. As pessoas costumam descrever essa atração apenas como uma boa opção para relaxar depois dos passeios cansativos no calor do deserto, mas para mim é um programa imperdível, não só pelo prazer do banho quentinho, que realmente funciona como um spa natural, mas também pelo cenário deslumbrante que o circunda.
Se você for no período da tarde como nós, vai aproveitar o banho com luz do sol batendo na piscina por umas 2 horas, mais ou menos. A partir das 16h, o sol já vai se escondendo atrás da montanha e começa a bater um ventinho frio. Apesar de estarmos no deserto, o local é alto, então mesmo com sol não faz calor e é de fato uma delícia aquele banho de água quentinha. Duro mesmo é sair da água... O local oferece estrutura de banheiro para você trocar de roupa e tem também lockers para deixar as mochilas (mas você precisa levar seu cadeado). Como não tínhamos essa informação, deixamos nossas coisas em uma pedra ao lado do nosso poço, mas é de boa também.
No final do nosso banho, encaramos devagar a subida até o carro (aqui é bem alto também e o ar pode faltar). Ao chegarmos no local, encontramos uma situação delicada com uma família de brasileiros. Quando chegaram ao estacionamento, a bateria do carro alugado deles tinha descarregado e não conseguiam dar a partida. Naquele lugar no meio do nada, ninguém tinha um cabo para fazer a conexão, a tarde estava acabando, o celular, claro, não tinha sinal. Depois de quase uma hora tentando pensar em uma solução, finalmente o funcionário do local apareceu com um cabo e conseguiu fazer uma ligação. Ufa! Aliviados, todos pegamos estrada de volta para San Pedro, a tempo de assistir a mais um por do sol impressionante.

Anote:
Distância de San Pedro: 27,8 km
Altitude: 3.500 metros
Quanto custa: CL 20.000 por pessoa
Onde comprar o ingresso: no local
Tempo médio do passeio: 4 horas (entre ir, aproveitar umas 2 horas de banho, trocar de roupa e voltar)
Dicas úteis: cheque horários e regras de funcionamento antes de ir, pois pelo que li em minhas pesquisas, os critérios mudam de tempos em tempos. Não deixe de levar toalha e uma roupa quentinha para vestir depois.
Lagunas Altiplânicas
Nossos dias no deserto chegavam ao fim e o gostinho de quero mais já estava começando a bater... Tínhamos optado por abortar nossa ida aos Geisers del Tatio na sexta-feira, já que eu tinha passado um poyuco mal no dia dos Monjes por conta da altitude. Os Geisers são um dos lugares mais concorridos do Atacama, mas também um dos mais altos – 4.320 metros, sem contar que para ver o efeito do vapor se condensando é preciso estar lá antes do sol nascer e o frio é absurdo, geralmente abaixo de zero.
Mas ainda tínhamos um programa muito especial para encerrar com chave de ouro nossa experiência no Atacama: as Lagunas Altiplânicas. Tão altas quanto os Monjes de La Pacana e os Geisers del Tatio, essas lagoas ficam a 4.260 metros acima do mar. Já estávamos pegando o jeito de encarar as altas altitudes sem passar perrengue, então tomamos um café da manhã leve, enchemos nossas térmicas de chá de cacha goma, colocamos a garrafinha de oxigênio na mochila por precaução e pegamos a estrada rumo às Altiplânicas.
Seguindo a dica do nosso amigo Rafael, compramos as entradas na véspera pelo site www.socairechile.cl, reservando nosso horário para às 11h. Tínhamos cerca de 2 horas para percorrer com tranquilidade os pouco mais de 100 km de distância.
O dia estava esplendorosamente lindo como todos os outros e fomos ouvindo no caminho uma nova playlist que montamos todos juntos, escolhendo as músicas que mais combinavam com o clima da nossa viagem. Por unanimidade, The Sound of Silence, de Simon & Garfunkel foi eleita o carro chefe da nossa trilha sonora, nem preciso explicar por que... Uma mistura de sentimentos tomou conta de todos ouvindo aquela música enquanto admirávamos o cenário majestoso do deserto a nossa volta.
Mais ou menos no meio da viagem, cruzamos a placa do Trópico de Capricórnio.

Pouco antes das lagunas, chegamos a Socaire, uma pequena vila onde fica o centro de atendimento aos turistas que visitam as atrações da região. Paramos o carro para validar os ingressos e ir ao banheiro.
Tentamos reservar o almoço em uma Cocineria, espécie de restaurante no qual os locais preparam comidas caseiras para os visitantes. Rafael havia nos indicado a San Santiago, aliás a única em funcionamento naquele momento, mas infelizmente a família estava de saída para fazer as compras da semana e não serviria almoço naquele dia. Que pena, ficou para a próxima.

Seguimos viagem e em poucos minutos chegamos ao nosso destino. E determinado ponto da estrada, deixamos a rodovia principal e pegamos um trecho de terra, que serpenteava montanha acima. O visual que nos rodeava era um simplesmente lindo, com o céu azul e os vulcões que se aproximavam lentamente. E, de repente, não mais que de repente, eis que surge em nosso campo visual uma lagoa de um azul inacreditável.

As Lagunas Altiplânicas foram formadas por uma mistura de águas da chuva e do degelo do vulcão. Conhecidas como Miscanti e Miñiques, nem sempre elas foram duas. Houve um tempo, há milhões de anos, em que as águas constituíam uma única lagoa, que acabou sendo separada por uma faixa de terra após uma atividade vulcânica.
Nessas lagoas, é possível avistar diferentes espécies animais que vivem no Atacama. Na Miscanti, que é a primeira e maior delas, tivemos sorte de encontrar muitas vicunhas pastando e um bando de flamingos à distância. Mas as medidas de preservação hoje são severas e só é possível caminhar pela trilha demarcada que vai contornando a lagoa, de forma a não incomodar seus habitantes.
Já na Miñiques, a observação é feita de um mirante que fica um pouco mais elevado que o nível da água. De uma forma ou de outra, o lugar é magnífico. O contraste das cores, o silêncio que reina e aqueles vulcões imponentes que parecem proteger tudo, te envolvem de uma forma mágica e é impossível não sentir uma paz enorme e uma gratidão imensa pelo privilégio de estar ali.

Com muita relutância, entramos no carro para voltar para nossa casita. Não dava para evitar a sensação de que a viagem chegava ao fim... No retorno, resolvemos parar em Socaire para fotografar uma igrejinha linda de adobe que tínhamos visto na ida.
Para nossa surpresa, na praça ao lado estava rolando um pequeno evento: um grupo de percussão e flautas tocava músicas andinas. Nos misturamos aos locais para curtir um pouco da apresentação e decidimos fazer nosso piquenique por ali mesmo. Quando a música acabou, os artistas recolheram os instrumentos e subiram em um ônibus para voltar a San Pedro. E assim fizemos nós também.

Ainda paramos em Toconao, outro povoado que também tem uma igreja pitoresca e bastante divulgada em blogs de viagem, mas o local estava fechado para reforma e nem descemos do carro. Chegamos em San Pedro no meio da tarde e fomos direto almoçar e comprar umas lembrancinhas para a família. No dia seguinte, domingo, era chegada a hora de voltar a Santiago e de lá para o Brasil.
Anote
Distância de San Pedro: 117 km
Altitude: 4.260m
Quanto custa: CL 10.000 | CL 8.000 para maiores de 60 anos
Onde comprar o ingresso: www.socairechile.cl (tem que comprar online e reservar o dia e horário da visita com pelo menos 24 horas de antecedência. Aceita cartão de crédito, mas não consegui efetuar a compra. Rafael teve que comprar com um cartão Chileno e pagamos em dinheiro para ele).
Tempo médio do passeio: 6 horas (para ir, vistiar com calma e voltar)
Dicas úteis: tome as precauções que já falamos para evitar o mal da altitude. Não esqueça de parar em Socaire para validar seu ingresso, que precisa ser comprado online, com 24 horas de antecedência.
Observatório Space
Na última noite, resolvemos fazer o tour astronômico, realizado por alguns observatórios de pesquisa científica que existem na região do Atacama. Considerado um dos céus noturnos mais espetaculares do planeta, observar as estrelas no deserto me fez lembrar dos muitos momentos que vive na infância olhando para o céu do sertão da Bahia. No meio da escuridão absoluta, nos damos conta da real infinidade de estrelas, planetas e nebulosas que reinam acima das nossas cabeças.
Estávamos ansiosos por esse programa, onde poderíamos observar esses astros usando telescópios de alta precisão. O observatório escolhido foi o Space, que por coincidência ficava a 10 minutos a pé da Casita La Brea.

Tivemos que aguardar até a noite de sábado, quando as condições do céu estavam favoráveis para uma experiência mais intensa e lá fomos nós. Vestimos roupas quentinhas, havíamos sido alertados que faria muito frio e às 20h em ponto um funcionário do Space veio nos buscar no portão.
Caminhamos em meio a escuridão e em poucos instantes chegamos ao local. O tour começa com uma palestra a céu aberto. Por cerca de uma hora, Danilo, o astrônomo que recebeu nosso grupo, nos contou sobre os estudos das constelações ao longo da história da humanidade. Apontando para o alto com um laser point, ele foi nos mostrando como identificar as estrelas e como elas se juntam nas formações que levam nomes engraçados como Canis Maiores, Scorpios e outros bichos. Até que achamos tudo muito interessante, porém a medida que o tempo passava, ia ficando cada vez mais frio e as pernas iam pesando - tudo é feito em pé e estávamos bem cansados.
Mas a expectativa de ver aquilo tudo nos telescópios era grande e pacientemente esperamos que o grupo anterior concluísse essa etapa e chegasse enfim nossa vez. Porém, confesso que foi um pouco decepcionante... Passamos por vários telescópios. Cada pessoa – uma por vez - sobe uma escadinha para alcançar a lente que fica na lateral daqueles grandes equipamentos. O que acontece é que o campo de visão é pequeno, você fica pouco tempo olhando, porque tem uma fila esperando para ver também. Então, na realidade, não dá para ver grandes coisas e quando você cria muita expectativa sobre algo, é fácil ficar desapontado.
No final, venceu o frio e o cansaço, e eu e Liginha decidimos entrar na casinha, onde na última etapa do tour, o astrônomo responsável pelo grupo bate papo e tira dúvidas, enquanto é servido um chocolate quente. Como desistimos de esperar por nosso grupo, que continuava lá fora passando de um telescópio para outro, acabamos nos misturando com a turma anterior, cujo idioma do tour era francês (o nosso foi em inglês), mas só nos demos conta disso quando a roda de conversa começou. Sem graça para levantar e sair, acabamos ficando por ali fazendo cara de quem estava entendendo tudo, enquanto degustávamos sonsamente nossos chocolates..
Conclusão da história: pagamos caro (CL 40.000) por um programa bem cansativo e que frustrou um pouco nossas expectativas. Temos amigos que foram e amaram, outros que nos alertaram que talvez não valesse muito a pena. Mas não saberíamos tirar nossa conclusão se não tivéssemos ido, então diríamos que valeu, mas não iríamos novamente.
Anote
Distância de San Pedro: 7 km (200 metros da Casita La Brea)
Altitude: 2.400 metros
Quanto custa: CL 40.000 (R$ 230,00). Não tem desconto para maiores de 60 anos...
Onde comprar o ingresso: pagos no local, em dinheiro ou cartão de crédito
Tempo médio do passeio: 3 horas
Dicas úteis: é preciso reservar com antecedência no site https://www.spaceobs.com/en/Services/Star-Tours. Existem tours em espanhol, inglês, português e francês. Para uma boa visibilidade do céu, o ideal é que esteja em semana de lua nova. O tour só é realmente confirmado poucos minutos antes, pois tudo depende da condição do céu no horário. Se tiver nublado, não rola e eles cancelam (mas você não paga nada). Outra dica importante: faz muito frio, então vá preparado, com roupa bem quente, luva, gorro, casaco e cachecol.
Despedida do deserto
No domingo pela manhã, fechamos as malas, nos despedimos de Rafael e Maria e devolvemos a linda casinha que foi nossa durante aqueles dias mágicos. Pegamos a estrada de volta para Calama ainda a tempo de ver um pouco da maratona Mountain DO que estava rolando na Ruta 23 – no dia seguinte, no voo para São Paulo, iríamos encontrar vários brasileiros que participaram dessa corrida pelo deserto, um feito diria no mínimo surpreendente.
Enquanto o carro se afastava de San Pedro, colocamos mais uma vez The Sound of Silence para tocar e olhando pelos últimos momentos para o cenário surreal do Atacama, que a essa altura já tinha se tornado um pouco familiar, deixei as lágrimas rolarem. Não sei se era saudade, emoção ou simplesmente gratidão. O fato é que ninguém sai impune dessa experiência. Tudo que vivemos aqui foi tão intenso que certamente ficará para sempre tatuado em nossas memórias. Não sei se voltarei... O mundo é grande e temos muitos outros destinos para conhecer ao longo da vida. Mas de uma coisa eu tenho certeza: o Deserto do Atacama foi um dos lugares mais espetaculares que tive o privilégio de conhecer em minhas andanças por aí.
Alguns lugares que acabamos não visitando, mas quem podem entrar no seu roteiro:
· Geisers del Tatio
· Laguna Cejar
· Laguna Chaxa
· Piedras Rojas
· Salar de Pujsa e Salar de Quisquiro
· Valle de la Muerte
· Valle do Arco-Íris e Petroglifos de Herbas Buenas
Antes de viajar – como se preparar para uma semana no deserto
Talvez não sejam necessários 2 anos, mas é fato que não podemos subestimar o deserto, ainda por cima o mais alto do mundo. Então, ir para o Atacama requer um certo planejamento. É preciso estar preparado para mudanças drásticas de temperatura (que pode ir de 40º durante o dia para 0º durante a noite), para a extrema falta de umidade no ar, para a intensidade dos raios solares, para a pouca oxigenação por conta da altitude, para banhos de lagoa com alta concentração de sal... Tudo isso pode causar um certo desconforto, mas nada que atrapalhe sua viagem se você estiver preparado. Então compartilho aqui algumas dicas valiosas para que você possa minimizar os efeitos dessas condições adversas.
1. Mala inteligente: de roupa de banho a casaco de frio, sua bagagem deve ter um pouco de tudo. No Atacama, a estratégia é “efeito cebola”: roupas mais frescas por baixo, roupas mais quentinhas por cima; no meio do dia você vai tirando e no final do dia, veste tudo de volta... Mas é possível viajar com o essencial e não passar apertos com uma escolha inteligente de itens, ainda mais em tempos em que despachar bagagem grande implica em taxas exorbitantes das cias aéreas. Nós encaramos o desafio de levar uma mala de mão e uma mochila cada e deu super certo! A estratégia é levar poucos itens de cada e lavar roupas, caso necessário (no deserto, elas secam muito rápido). Inclua roupas de frio com tecnologia inteligente, com segunda pele e jaquetas corta vento, que aquecem bem e ocupam pouco espaço. Confira ao final minha sugestão de lista do que levar na mala.
2. Hidratação e proteção do sol: que sua pele vai ficar seca é fato. Mas você pode dar uma forcinha para seu organismo com alguns cuidados. No deserto, é fundamental beber água o tempo todo, então sua garrafinha será companheira indispensável nessa viagem. Nunca saia para os passeios sem ela!!! Além disso, capriche no protetor solar, no protetor labial e de quebra use um soro nasal e um colírio. Boné, chapéu e óculos escuros também são necessários. Se puder programar os passeios para o início da manhã ou meio tarde, evitando os períodos mais quentes do dia, melhor.
3. Efeitos da altitude: o ar rarefeito de lugares de altas altitudes pode provocar uma queda na sua oxigenação, conhecida como “Soroche”. Os efeitos incluem cabeça pesada, tontura, enjoo, sono e moleza. Algumas pessoas passam bem mal, depende do organismo. Para evitar problemas, o primeiro conselho é deixar os programas com altitudes maiores para o final (como por exemplo Geisers del Tatio, Monjes de la Pucana e Lagunas Altiplânicas). Evite álcool e comida pesada nesses dias e beba bastante água. O famoso chá de coca ou de cacha goma (que você acha nas lojinhas de San Pedro) são excelentes preventores naturais. E se puder, por segurança, invista em uma garrafa de oxigênio (vendida na loja Rincon del Viajero, também em San Pedro). Pode parecer exagero, mas se você passar mal, vai agradecer por estar prevenido. Uma ou duas baforadas já te garantirão o oxigênio necessário em segundos e você se sentirá bem melhor para seguir seu passeio.
O Atacama pode ser inóspito, mas é um dos lugares mais incríveis do mundo para se conhecer. Seguindo essas dicas, certamente você estará prevenido para aproveitar sua viagem com conforto e segurança.
O que não pode faltar na sua bagagem
Roupa de banho
Roupa de frio
Short ou bermuda
Camisetas
Boné e/ou chapéu
Casaco corta vento
Echarpes
Gorro e luva
Segunda peleToalhas de banho (daquelas inteligentes que ocupam pouco espaço)
Bota ou tênis de trilha
Óculos escuros
Uma mochila pequena para levar nos passeios
Chinelos
Hidratante
Soro para o nariz
Colírio
Protetor solar
Protetor labial
Garrafinha de água